30.5.15

Viajando não tanto mas quanto


É bom viajar com quem vê com a totalidade do Ser, e, mesmo que em breve excursão, se não vai muito longe vai sempre muito fundo na alma da paisagem que vê.
Publicado em 1969, reunindo crónicas que editara no Diário Popular, após uma viagem feita à Rússia e à Polónia em Julho de 1968, o livro, que me trouxe a memória o de Leonardo Coimbra, lembra e situa o interesse português pela cultura russa e por isso escreve: «este interesse não é ocasional e não é filho de mero literatismo culturalista. Quem tenha meditado nas conotações entre a misticidade russa e a espiritualidade portuguesa, entre o messianismo eslavo e o sebstianismo português, compreenderá o interesse necessário daqueles filósofos».
E, mau grado ter visitado um país de Igreja sufocada, constata: «Na Europa, só há dois casos idênticos, de preponderância histórica dos cultos complementarizados do Espírito Santo e da Virgem Maria: a Rússia Ocidental e o Portugal Católico. Note-se que, em ambos os países se desenvolveu intensamente o culto mariano (...)».
Viajando em sua companhia através das páginas do que leio, surpreende-me este outro instante de reflexão, como se, numa esquina da cidade que foi São Petersburgo, Petrogrado e Leninegrado, parássemos um instante a conversar,ele contrapondo uma referência de Álvaro Ribeiro, no seu estudo Os Positivistas à sua própria observação: «A revolução antimonárquica portuguesa escolhe como conteúdo um republicanismo de forte influência francesa, em que o socialismo alguns anos antes vigente na doutrinação de Antero de Quental e Oliveira Martins é substituído pelo positivismo, adaptado de Augusto Compte, por Teófilo Braga e os seus partidários. A revolução antimonárquica russa escolhe ao contrário, como conteúdo, por intermédio das opções de Lenine e do seu partido bolchevique, a influência cultural do vizinho alemão, caldeando em expressão pragmática impositiva o pensamento dos germânicos Hegel, Nietzsche, Marx, Feuerbach, Engels».