14.4.12

A Filosofia Espiritual da Pátria

Impossível não falar sobre o preço dos livros que são editados pela Imprensa Nacional/Casa da Moeda. Sendo uma editora do Estado, cabendo ao Estado a divulgação da cultura, há, porém, preços a rondar o escândalo. 
Ontem perguntei aqui no Porto pelo último volume das Obras Completas de Leonardo Coimbra. Trouxeram-me o sexto volume, editado em 2010. Disse que não poderia ser, porque eu tinha sido convidado para o lançamento há muito pouco tempo pela própria livraria da Imprensa Nacional. Procuraram no computador. De facto era aquele. Tinha sido um evento agora em torno de um livro de ontem. Pasmo.
Hesitei. Tenho daquele filósofo, Mestre da depois extinta Faculdade de Letras no Porto quase tudo, em dispersas edições. E desta edição já alguns tomos, não me lembrava se este. Afinal falava-se de uma obra saída há dois anos. Prometi que iria ver. Mas espreitei o preço! Quarenta euros, quarenta!
Na véspera tomara o comboio para aqui na gare de Oriente, em Lisboa, onde há uma feira permanente de livros. Comprei alguns, de autores portugueses, ensaios universitários, de cultura, filosofia, literatura. A um euro, um euro e meio, dois euros. Precisamente a esse miserável preço. Da editora Colibri. Ficaram lá dezenas de outros títulos, em saldos.
Vergonha, a especulação e o saldo, o rebaixamento.
Para que doa mais a quem nada dói, fica aqui uma ligação a uma sua obra, sobre Camões e a fisionomia espiritual da Pátria, digitalizada, gratuita, publicada por uma universidade...norte-americana.  Mais vergonha ainda, a quem a tiver.

8.4.12

Lembrei-me hoje dele e de como é dos muitos absolutamente esquecidos. Um dos mais inteligentes e brilhantes da sua geração. Civicamente corajoso. Expulso do Liceu aos catorze anos, por apoiar a independência do então Estado Português da Índia.
Militante comunista e como tal quadro intelectual com funções directivas na Seara Nova e redactoriais em O Tempo e o Modo, seria o continuador de António Sérgio no que ao racionalismo deste respeita. 
Exemplo ímpar de uma visão ética da política - conheci-o através de outra referência da mesma natureza, Francisco Salgado Zenha - havia sob sua aparência fragilidade física um espírito combativo e tenaz, capaz de enfrentar as maiores adversidades. 
A sua ruptura com o marxismo não o trouxe apenas no campo político para a teorização do socialismo democrático como uma vertente avançada da social-democracia. Criou-lhe a ânsia de um pensamento que o libertasse dos dogmas ideológicos do leninismo.
Não foi fácil. Se coexistiu com a radicalização política do seu tempo e combateu a ortodoxia ideológica do Partido que lhe dera o ser na política, foi sempre pela estreita vereda da rectificação auto-crítica do seu próprio pensamento. Havia nele - no que a fisionomia ajudava - algo que lembrava Gramsci. Até a angústia existencial latente na expressão que o sorriso trocista mal disfarçava, descobriando-a.
Ligado à vida universitária progrediu, inovador, por territórios de formalismo lógico que decorriam da Escola de Viena. A consciência do tempo histórico acabaria, porém, por ocupar, tal como se no horror ao vazio, o núcleo final do seu pensamento.
Se lhe coube o papel contestado de, na política, desmarxizar o socialismos português, entre incompreensões a rondar o ódio, talvez tenha sido a justa medida do relativo da verdade e da consequente abertura à tolerância, contra o dogmatismo, que marcam a sua pedagogia. Quis traduzi-la para o País em obra, como ministro da Educação. Sem futuro, porém.
Doutorado em Ética, de uma ética «neo-utilitarista», como dela diria António Braz Teixeira, ensaiaria, na docência e na incerta escrita, uma coerência do turbilhão mental a que o seu espírito superior o conduzira.
Falo de Mário Sottomayor Cardia. 
Lembrei-me dele hoje e com ele dos tempos em que a inteligência e a moral dos dirigentes eram dois dos pilares da política, o terceiro a sua dedicação sacrificial à causa pública. 
Sim, sei, dá hoje nome a uma biblioteca na Universidade Nova de Lisboa. Talvez a uma rua. Não a um exemplo que se tenha enraizado.