22.7.07

O relativismo, essa água contaminada

O primeiro encontro entre o português Manuel Laranjeira e o espanhol Miguel de Unamuno ocorreu em Espinho. O triste médico encontrou no expansivo filósofo um «paradoxeur», prisioneiro do seu próprio relativismo e armadilhado pelas aporias da sua forma de dizer. Depois estreitou-se uma amizade que daria em espístolas, editadas pela Portugália e de que eu ainda anseio encontrar o livro para as ler.
Ao saber-se pela biografia de Don Miguel como, tendo sido deputado republicano e socialista em 1931, apoiou, entusiástico, o franquismo e a Falange, em 1936, para disso se arrepender em discurso violento no próprio ano, perguntei-me se, naquele momento do diálogo entre os dois em que ao ouvir dizer «qualquer água me serve desde que me mate a sede», Laranjeira responde que «assim um dia matará sim a sede e morrerá envenenado» já não estará contido, no ovo, o princípio de toda uma vida, toda uma trágica diferença que levará Laranjeira ao suicídio e ao olvido e Unamuno ao panteão da glória e às tubas da fama. Corria o ano de 1908. É sua a frase: «El modo de dar una vez en el clavo es dar cien veces en la herradura».

15.7.07

A perda de tempo

Vindo do Porto, aterrei em Lisboa e, esgotado de cansaço, dormi, pela segunda vez em dois dias, nove horas seguidas. Acordei com o turvo pensamento de pecado, a estranha sensação de incomum. Ainda em torpor, acudiu-me, entre o sono e sonho, ter visto, em Santa Maria da Feira um busto do Leonardo Coimbra, algumas das letras que lhe assinalam o nome caídas ou roubadas, enfim sumidas.
Não sei porque penso isto, nem sei porque estou ainda aqui, o banho por tomar, o dia por viver. Perto de minha casa um sino chama pelos que têem aquela fé. Hoje, além disso, é dia de votar, para os que têem essa esperança.
Lembrei-me foi de haver, entre a molhada desarrumada de livros que me cercam, um que o Alfredo Ribeiro dos Santos escreveu, biografando o Leonardo Coimbra. Esse opúsculo, que a Fundação Lusíada editou está prefaciado pelo Jesué Pinharanda Gomes. Fui lê-lo, por nele se conter uma frase provocatória acerca do Porto e de Lisboa e eu ter chegado a Lisboa, vindo do Porto: «No Porto, que trabalha, nem nunca nem ninguém, perde tempo. A perda de tempo é propriedade de Lisboa, que é, em si mesma, uma perda de tempo». Ora, pois, e eu a dormir, primeiro no Porto, e agora em Lisboa, perdendo tempo em todo o lado e em toda a parte!

8.7.07

Pensar Portugal

A filosofia portuguesa pode ser o filosofar dos portugueses e, a ser isso, é pouco, por não sermos muitos. A filosofia portuguesa pode ser o pensar Portugal e, se for assim, já é um começo esperançoso, porque a Nação tem de renascer pelo espírito, velha que está, após oito séculos de esgotado ser. Mas a filosofia portuguesa tem sido o modo de reiterar temas que se julgam nossos e de mais ninguém, como se um povo de marinheiros pudesse ter uma vida própria que não fosse o saber viver alheadamente.
Ontem bateram-me à porta dois locais que são tertúlias do espírito desse pensar português sentindo Portugal: o maranos, e o leonardo. Há mais, mais haverá.