31.8.06

Manicómio da Unanimidade

Pouco tempo antes de morrer Leonardo Coimbra escreveu um livro a que chamou «A Rússia de Hoje, o Homem de Sempre». Saíu em 1962. É uma análise para-filosófica do bolchevismo e do homem russo. O livro tem dois capítulos, o primeiro dedicado ao humano e anímico o segundo ao geográfico e político. O seu parágrafo final é uma antevisão: «Manicómio da Unanimidade, zoologismo do rebanho unânime, engordado e feliz, são pontos extremos, onde o Inferno dantesco poderá viver, mas onde o homem real, o homem ontológico, não pode estabelecer definitivamente a sua morada». Todos vimos que foi assim. Há livros com compramos por acaso e com relutância, e que lemos por causa da realidade e da sua repugnância. Logo este que abre com «a tragédia do homem esta na ignorância de si e do Universo que vive, ou antes, convive», torna-se, envelhecido, situado, num livro de sempre.

6.8.06

Sujar a realidade

O magistério de Leonardo Coimbra e o que tem de controverso projectou-se por vezes pelas mais inesperadas formas e nas mais invulgares circunstâncias. O seu estilo fogoso e o clamor do seu verbo eram o melhor serviço à difusão das suas ideias, nomeadamente junto das audiências mais jovens. Encontrei no livro de memórias do poeta José Gomes Ferreira, que ando a ler, esta forma singular de o dizer: «Demais, Leonardo Coimbra em nada se assemelhava aos meus mestres antecedentes. Trazia um estilo novo em que (não mintas, José Gomes Ferreira!) abundava a retórica ou o que aos nossos ouvidos de mocinhos ignorantes umas vezes soava a coisa nenhuma de alto verbo, outras, a música que nos empolgava e nos estremecia de pavor, quando o contemplávamos no estrado de lágrimas nos olhos». Fantástico retrato deste «professor exímio em palavrões (praguejava como se quisesse sujar a realidade)», fantástica forma de o desejar conhecer.