23.11.05

A hipotenusa da rectidão

O geómetra Pitágoras descobriu a harmonia do cinco: ele é a hipotenusa do triângulo rectângulo cujos lados são o 3 e 4. Eis a quintaessência do número, o sublime da ideia, o trevo de cinco folhas, o pentagrama da sabedoria universal, o momento do excepcional.

19.11.05

Lento e inexorável

Ali estava a expressão que dá coerência formal a este meu modo de ver geometricamente a vida que nos cerca: «uma aritmética sem paixão, que é que cabe na aritmética? A paixão é a vida». Vem no «Nítido Nulo», que lá continuo a ler, lenta mas inexoravelmente.

16.11.05

Positiva e animadora

A linguagem quantitativa tem destas ambiguidades: «pequena» e «pouca», uma das palavras mais própria para as unidade de medida, a segunda como unidade de peso. Não é diferença diminuta nem leve. Mas é uma ideia positiva e animadora.

12.11.05

Uma forma profunda de saber

O JL publica na última página textos de cunho auto-biográfico. Neste último número vem um da Luísa DaCosta. A certo passo falando do António José Saraiva diz que ele tinha por hábito visitá-la no Porto dizendo que o fazia para se aconselhar e que, ante a sua surpresa quanto a que «diabo de consulta poderia fazer a sabedoria à ignorância», ele lhe deu esta resposta magistral: «Está enganada. Redondamente enganada. A Luísa sabe da melhor maneira de saber. Sabe de instinto».

11.11.05

O tocador de campainhas

Esta noite vim passear aos blogs todos só para não dizer que não vim até cá. É como aqueles maníacos que tocam às campainhas dos prédios, só para ouvirem vozes a perguntarem quem é. No meu caso a coisa não chega a tanto; quando ouço que vão responder-me grito-lhes um «sou eu» e largo a fugir, blog abaixo, em risota desconcertada a lembrar-me da cara dos que se perguntam onde é que está a piada de tocar para nada e por coisa nenhuma.

6.11.05

A demonstração satisfatória

«Devo admitir em primeiro lugar que ainda não consegui uma demonstração rigorosa deste teorema. Como, em todo o caso, a sua verdade foi estabelecida em tantos casos, não pode haver dúvidas que é verdadeiro para qualquer sólido. Portanto a proposição parece satisfatoriamente demonstrada». A frase data do século dezoito e pertence a Euler. Eis a verdade possível, aquela cuja falsidade ainda não foi demonstrada, a verdade resistente, a verdade que subsiste.

2.11.05

Um par de galhetas

Apanhei-o, enfim, ao bandido! Qual rufia, malfeitor marginal, bem se tentava esconder, nos confins baixos de uma estante, quase ao alcance de uma saraivada de pontapés. Responsável pelo meu ódio à literatura, da minha raiva à língua de Camões e ao próprio Camões! O que eu sofri, sem saber então que era por causa dele! Agruras de não ser capaz, a crise de confiança nasceu ali, tal como as borbulhas da barba e pela mesma altura. Agora ali estava! Foi ontem, vinha eu de não me apetecer jantar. O ser chama-se Jerónimo Soares Barbosa. Escreveu em 1822, em plena revolução vintista, uma coisa imensa de monstruosa chamada «Gramática filosófica da língua portuguesa». Ali estava ela agora, na FNAC, uma «edição anastáticas», para que vingasse o exemplo, para memória dos coevos. Sabem o que eu descobri?. O malandrim polígrafo, que o seu panegirista chama de latinista exímio e helenista, depois de umas centenas de páginas sobre a arte de falar e escrever correctamente, atira-se, da página 434 em diante aos Lusíadas e desmonta-os aos pedacinhos, aplicando-lhes milimétrica e mesquinhamente todos e cada um dos mil princípios gramáticos que antes enunciara, incluindo as modificações prosódicas e os solecismos nas proposições parciais. Porquê a minha raiva de iletrado, esta fúria de ignorante? Porque os da minha geração, que à força de palmatória, dividiram as orações ao canto I o das armas e varões assinalados que da ocidental praia lusitana, por mares nunca dantes navegados, já sabem de onde veio a tortura. Foi ele! Se o apanho numa esquina, leva! De um par de galhetas não se livra!